TEXTO CURATORIAL
razzle-dazzle de Corpes
Trata-se do corpo, do retrato e da potência de suas representações na atualidade. O sentido (ar)tivista do trabalho de Bella Tozini reúne estes elementos em pesquisa que vem alimentando seus últimos projetos organizados a partir de encontros, diálogos, ensaios fotográficos, fotolivros, exposições e intervenções urbanas realizadas em diferentes cidades do país. A maior parte dessas cidades localizam-se no próspero e algo conservador interior do Estado de São Paulo, onde vive e trabalha a artista, assim como as pessoas de seus retratos. São cidades que tem recebido a atenção para o fomento à produção artística por meio de editais de premiação pública como este que viabiliza o projeto de Bella Tozini (PROAC, 2021) assumindo assim um papel importante para o debate sobre a diversidade de pessoas, ideias e comportamentos produzidos por e a partir da arte e da cultura contemporânea.
As imagens construídas pela artista apontam para sentidos investigativos que friccionam liberdade e auto (re)conhecimento; vida cotidiana e vida pública; exposição e auto exposição das subjetividades com as quais temos formulado outras individuações e equidades para o nosso tempo. Reflete portanto a pertença entre o contexto e a complexidade próprios da paisagem urbana contemporânea identificáveis pelos corpos que a constitui. Este parece ser um dos principais índices dos quais se nutre o projeto de Bella Tozini.
Assim, em fricção, Corpes localiza-se no trajeto de cidades que se empenham no circuito artístico em consonância com relações sociais cuja ecologia visa a ampliação dos territórios inclusivos, afáveis às atualizações e renovações dos preceitos de urbanidade. Entre imagens fotográficas, depoimentos e links na rede, oferece ao campo das artes visuais oportunidade de boas perguntas sobre sua visualidade: será que estamos vivenciando um momento no qual a imagem já não é mais suficiente? Se assim for, como ela nos requer ou envolve por meio da arte? E como Corpes pode nos ensinar algo sobre isso?
A riqueza de perspectivas com as quais a narratividade passou a integrar os projetos artísticos atuais evidencia a importância assumida pelo discurso instituinte de propostas autorais interessadas pelo(s) Outro(s). Assim se configura o dado dialógico de Corpes como proposição que nasce da imagem fotográfica e do retrato, mas que não se basta na exclusividade plástica e formal originária desses campos, preferindo para sua metodologia criativa, plataformas e envolvimentos múltiplos com resultados para além da imagem.
Nesta direção é que podemos compreender as imagens oferecidas por Corpes a partir de uma constituição razzle-dazzle; ou seja, entrecruzada, formada por elementos interdependentes; imagens geradas a partir de complexidade constelar que repele o elemento fixo das leituras tradicionais. Desse modo bem exprimem a diversidade que fundamenta sua existência.
A tradução desta expressão coloquial do inglês nos conduz por entre as limitações que precisamos vencer para bem compreender sua polifonia: indica tanto o extravagante quanto o atraente; bastante comum no desenho de superfícies industriais, pode ser encontrada desde a estrutura da natureza das plantas até a estética da guerra. Portanto, as configurações de imagens razzle-dazzle, além de replicarem a imagética do mundo contemporâneo em seus mais variados campos de manifestação e conhecimento expõe um tipo de visualidade que favorece sua combinação às narrativas e ao discurso que posiciona os statements que se pretende com elas levantar. Os retratos de Bella nos dizem e não apenas mostram. Os corpos e depoimentos das pessoas retratadas reforçam o desejo pelo diálogo e pela convivência que se faz possível a partir de tempos pós-hegemônicos.
Assim é que podemos perceber os corpes-dissidentes: presentes, mas nada estáticos. São estatuto e ao mesmo tempo testemunho do trânsito ou da itinerância praticada em espaços urbanos interessado na contemporaneidade social e artística; tarefa hercúlea que se projeta no plano social e cultural como infinita, porém não impossível.
Sylvia Furegatti | Curadora |  Julho/2022
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